QuixOtice - Alma andarilha

 Para desespero da minha mãe, desde pequena, férias para mim significavam viajar com o meu pai...3 dias, 1 semana, 1 mês. Aquele caminhão imenso e toda uma fantasia ao avesso das brincadeiras de menina.

A estrada (e suas possibilidades), os destinos (e seus mistérios), a boléia e seu mundo miniaturizado que, aos olhos de uma criança, colocava a imaginação à prova (cama retrátil, ventilador, cozinha, tudo em tamanho reduzido...e eu pensava “tudo do meu tamanho”).

O mais encantador era a capacidade que o meu pai possuía de me inserir naquele universo marcadamente masculino sem que a minha condição de menina fosse um limitador. Ao contrário, era com naturalidade que ele idealizava as viagens que faríamos juntos quando eu crescesse. Por tardes inteiras sonhávamos com a frota familiar, discutíamos os detalhes das futuras viagens (quantos eixos teriam os caminhões, as cores, a marca e detalhes técnicos, a região que preferíamos trabalhar, onde se pagavam os melhores fretes...).

A primeira viagem de que me lembro...acho que tinha uns 5 anos. Franjinha, cabelo até a cintura e disposição para qualquer aventura. Nas paradas ao longo da estrada, onde mulheres eram uma exceção, a presença de uma menina com o seu pai sempre chamava a atenção.E diferente do que assistimos na TV quando se aborda a profissão de caminhoneiro, a cordialidade, o respeito, a camaradagem sempre foram elementos presentes.

Confesso que, se algumas regiões do Brasil ainda são carentes de um mínimo de estrutura ao longo das estradas, naquela época então a estrutura era ainda mais precária. Mas como tudo era abordado de uma forma muito lúdica, para mim tudo era diversão. Na hora do almoço, na ausência de um restaurante (que eu torcia para não encontrar), meu pai preparava a refeição na sua cozinha em miniatura. Meus olhos brilhavam ao olhar para aquele fogãozinho, as panelinhas...aquilo era melhor do que qualquer brincadeira de casinha. Para falar a verdade, acho que é por isso que sempre preferi carrinhos às bonecas, a Caloi Cross à Ceci....rsrs

Hoje, toda essa infância adorável se reflete em mim de uma forma irremediável. Continuo a perceber as “viagens” (e nisso se inclui qualquer uma) como um momento rico de possibilidades, no qual eu me acho e me perco. É verdade que elas mudaram um pouco, desde aqueles tempos. Mas a trabalho, de mochilão, de turma, sozinha, com destino, sem destino, todas elas têm em comum aquela emoção primeira...que por mais que eu tente descrever aqui nunca se traduzirá de maneira exata. Viajar é visceral.

Comentários

Puxa, muito legal. Aproveitando o tema, dia 14 te esperamos. Vou avisar as aranhas marrons.